À medida que eu ia crescendo e me surpreendendo com o mundo dos adultos, as explicações sobre o loteamento do planeta entre os eficientes ricos e os ineficientes pobres iam se tornando mais complexas e refinadas. Na juventude, li o que Adam Smith escreveu: "não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio auto-interesse". Desconfio de que Darwin ajudou a consolidar o meu treinamento ao fundamentar a sua teoria da evolução das espécies com a idéia de que, ao sobreviver, os indivíduos mais aptos e adaptados ao meio transmitem as suas características vitoriosas em sucessivas gerações.
Cheguei a pensar que tudo estava confirmado: os mais espertos vão à luta e os mais lesados ficam marcando o tempo e formando a massa de manobra para os primeiros. Essa é uma idéia muito forte. Verdadeira forja e matriz de outros pensamentos que se prestam a uma infinidade de explicações e justificativas. Serve ao fazendeirão, que, entre uma garfada e outra da picanha, explica porque a reforma agrária nunca vai dar certo, pois mais dia menos dia a terra volta a ser explorada por quem é mais competente. Serve para aplacar a culpa dos proprietários de carros luxuosos que param no sinal vermelho observando a miséria do mundo. “Que ninguém questione o duro que dei para conquistar esse carro!”
A idéia dos mais aptos conquistando o planeta também está na base do valor fundamental das sociedades influenciadas pelo american way of life. O senso comum justifica e admite a divisão da sua própria sociedade entre perdedores e vencedores. Os vencedores são aqueles que compreendem o funcionamento dos sistemas vigentes e são capazes de lucrar com eles. O vencedor pode ser simbolizado como a azeitada engrenagem de uma vigorosa máquina. Por definição, o vencedor não está muito preocupado com as grandes questões existenciais sobre os sistemas que opera. O vencedor é pragmático. Basta-lhe a máquina funcionando e provendo (a idéia do auto-interesse de Adam Smith). O vencedor é um sujeito refinado, que opera em graus de exigência e de consumo cada vez mais altos. Já o perdedor é um personagem bem mais ambíguo. Pode ser que ele não compreenda as regras do jogo. Ou que, compreendendo, não concorde com elas. O perdedor não é um bom jogador e se fosse representado como uma engrenagem da máquina seria uma engenhoca que chia e se desgasta com facilidade.
A divisão da humanidade entre vencedores e perdedores traz embutido o pressuposto de que a dinâmica social não pode ser diferente. A idéia da divisão naturaliza o pressuposto. Não há muito a fazer já que as pessoas são diferentes entre si e umas são mais capazes do que as outras. Isso seria um dado da natureza humana.
Esse dado, tornado natural, me lembra de uma afirmação da minha esposa, que foi professora durante alguns anos. Segundo ela, os colégios consagrados, os que têm fama de difíceis, que ostentam altos índices de aprovação no vestibular de universidades igualmente consagradas, na verdade não educam na plenitude do termo. Tais instituições são diligentes em outro processo. Elas simplesmente selecionam. Peneiram. Retêm os melhores alunos e expurgam os piores para escolas menos exigentes. E é justamente nessas escolas menos exigentes onde acontece, muitas vezes, o fenômeno da superação das dificuldades do aprendizado que pode ser chamado de educação.
Na escola consagrada, os vencedores são agrupados. E é curioso como os vencedores gostam de se agrupar. Os clubes sociais como o Lions e o Rotary, algumas sociedades secretas, de ajuda mútua e até mesmo os grupos dos países mais ricos ou o Fórum Econômico Mundial demonstram um princípio fundamental do treinamento para vencedores. Para vencer, é necessário unir esforços. E para unir esforços, é necessário excluir o excedente, o que não rende satisfatoriamente nem pode contribuir muito com a união. Os vencedores ficam muito envolvidos com o funcionamento do sistema e esse comportamento não favorece um posicionamento crítico sobre o contexto. Tais questionamentos nem lhes soam importantes. Os vencedores são pragmáticos e lhes interessa muito mais “dar o duro” do que refletir. Melhor do que refletir é competir, pois não basta ser vencedor. A competição garante a existência do perdedor. E o perdedor, apesar da pecha de ineficiente, não pode faltar na máquina de navegar o mundo do vencedor.
Enviando por Vitor Lúcio de Manaus
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